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Doença Celíaca

Introdução Teórica

 A designada doença celíaca consiste numa enteropatia hereditária inflamatória autoimune que, tal como indica a definição, afeta "em específico" o intestino delgado, dada a ingestão excessiva de glúten (composto de proteínas com função de armazenamento, presente numa grande variedade de cereais). Basicamente, a ingestão de alimentos que têm glúten desencadeia reações imunológicas contra o próprio intestino, constatando-se assim alterações ao nível da mucosa deste órgão do tubo digestivo, provocando uma má absorção de outros nutrientes e aumentando o risco de desenvolvimento de outras doenças e casos

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História da doença celíaca

É natural que ao longo da evolução da raça humana, desde o seu surgimento há 2,5 milhões de anos até a atualidade, se tenha constatado uma série de alterações não só associadas ao seu comportamento social como também aos seus hábitos alimentares. É factual que há 10000 anos atrás não havia componentes naturais que contivessem glúten, e, por conseguinte, a doença celíaca ainda não se tinha manifestado em nenhum indivíduo. Somente a partir do momento marcado pela passagem de atividades nómadas para atividades sedentárias, isto durante o Neolítico, é que a agricultura verdadeiramente emergiu com a sua grande variedade de cereais, assim que os humanos entenderam que era possível tirar proveito da terra fértil para semear. Desse instante para a frente, apareceu o risco de se ter a doença celíaca.

Período Neolítico

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No século II, um dos mais notórios médicos da Grécia Antiga, Areteu da Capadócia, relatou de forma científica a primeira prescrição da doença celíaca, descrevendo doentes com um determinado tipo de diarreia usando a palavra “Koiliakos” e remetendo este último termo para aqueles que sofrem do intestino. As fezes destes doentes eram líquidas e esbranquiçadas, de muito mau cheiro, e este homem acreditava que este caso era recorrente e infelizmente intratável.

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  • Legenda: Areteu de Capadónia

Tudo levava a crer que os casos que este indivíduo observou iam de facto ao encontro daquilo que em 1888 Samuel Gee, um médico pediatra de Londres, constatou em crianças e pessoas de maior idade, ao qual atribuiu o nome de “doença celíaca”. Gee estipulou, ao longo da sua pesquisa e trabalho, que a verdadeira cura para o doente assentava na dieta levada a cabo pelo mesmo, sendo que o mesmo teria imprescindivelmente que evitar alimentos farináceos e/ou ricos em amido. Nos anos que seguiram, vários médicos dedicaram-se profundamente a observar e a tentar compreender com rigor as características desta doença, sobretudo as suas eventuais causas. Resultados de experiências laboratoriais realizadas no futuro iriam confirmar que a substância que provoca a doença é o glúten.

Epidemiologia da doença celíaca

Nesta parte do trabalho, dedicar-nos-emos ao estudo a nível quantitativo da distribuição da doença celíaca, sobretudo na vertente internacional, abordando também os seus fatores condicionantes e determinantes em relação às diversas populações.

É importante sublinhar que, há alguns anos, a doença celíaca era considerada rara em determinadas regiões do mundo, tendo-se acreditado que a mesma seria mais comum na Europa. No entanto, estudos recentes realizados no Médio Oriente e Continente Africano, China e regiões da Ásia e do Pacífico vieram demonstrar a globalização desta enteropatia inflamatória, e desse modo é correto afirmar que a DC (doença celíaca) tem uma distribuição razoavelmente homogénea a nível mundial.

Pesquisas realizadas em 1970 exibiam a estimativa de que a prevalência da DC na população fosse de 0,03%: este valor tem vindo a crescer consideravelmente, chegando atualmente a valores entre 1-2%. As causas do aumento súbito destes valores numéricos são desconhecidas aos especialistas, contudo acredita-se que a explicação se pode encontrar ligada a fatores ambientais que logicamente interferem ao nível da qualidade ou quantidade dos cereais, ou à sensibilidade dos métodos de diagnóstico à DC associados. Apesar desta subida, a DC infelizmente ainda é sujeita a subdiagnóstico, devido ao aumento da sua incidência em adultos com sintomas atípicos.

Retomando, a doença celíaca acaba por ser mais comum entre os adultos, podendo, todavia, surgir em qualquer faixa etária: no que toca ao género, existe um predomínio dos indivíduos pertencentes ao sexo feminino: naturalmente, indivíduos portadores desta doença têm um aumento significativo no risco de mortalidade, comparativamente à população geral (casos mais problemáticos quando não diagnosticados, devido a ocorrência de DC silenciosa, por exemplo). Em Portugal, apesar das incertezas, aponta-se que existam entre 10 e 15 mil pessoas diagnosticadas com a DC. Estima-se, no entanto, que o número de celíacos efetivo, a nível nacional, se situe entre os 70 e os 100 mil.

Fisiopatologia da doença celíaca

De modo a entendermos o impacto da DC ao nível do nosso organismo, teremos que abordar sucintamente a caracterização do glúten e o funcionamento do intestino delgado, acompanhando estes dados com as informações etiológicas (sobretudo associadas aos fatores precipitantes) e fisiopatológicas a respeito da DC.

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Primeiramente, há que salientar que, tal como está ilustrado acima, as paredes do nosso intestino delgado encontram-se revestidas por uma série de pequenas vilosidades, indispensáveis a todo o processo de absorção de nutrientes, para a sua transição para a corrente sanguínea. Uma dessas substâncias, que acaba por entrar em contacto com as paredes do jejuno (componente do intestino delgado onde a taxa de absorção de nutrientes é maior), é o glúten, uma proteína vegetal presente em “grãos” com boas fontes de fibras, resultante do emparelhamento entre dois tipos de aminoácidos distintos: as gluteninas e as prol aminas, péptidos estes que, em pacientes celíacos, infelizmente danificam ou atrofiam as vilosidades intestinais, impedindo-as de desempenhar a sua função adequadamente (compostos tóxicos ao intestino do celíaco). Por conseguinte, todo o processo de absorção de nutrientes é colocado em risco.

Como já podemos constatar, o glúten é um dos senão o principal fator precipitante desta doença, todavia certos cofatores ou até fatores genéticos (já que a doença é hereditária) podem colaborar no desenvolvimento deste caso.

Entendemos, por fim, que a fisiopatologia da doença celíaca envolve uma complexa interação entre o sistema imunitário, o glúten e a suscetibilidade genética do infortunado hospedeiro. O glúten e alguns péptidos resultantes da sua degradação podem desencadear uma resposta imunitária inata ou adaptativa, levando à lesão da mucosa do intestino delgado e ao aparecimento de sintomas de DC (que serão abordados mais à frente).

Resumidamente, em condições normais, o epitélio intestinal possui junções celulares intactas, desempenhando o papel de barreira seletiva à passagem de macromoléculas como as do glúten, todavia, em casos nos quais estas junções celulares se encontram sensibilizadas ou até mesmo danificadas, estando a ideia de transporte mediado (através de proteínas especializadas no transporte de substâncias com ou sem gasto de ATP) também em jogo, já que foi comprovado através de estudos científicos recentes que o péptido a2-gliadin-33mer se deslocava em direção da sua própria lâmina basal por esta mesma via. Ao nível da própria lâmina (matriz rica em proteínas e polissacarídeos), os compostos peptídicos resultantes da despolimerização incompleta do glúten são modificados enzimaticamente pela enzima transglutaminase tecidual (tTG ou TG2). Esta enzima converte os resíduos de glutaminas em ácido glutâmico, o qual possui afinidade com as moléculas DQ2 e DQ8 (genes responsáveis por 40% da suscetibilidade genética da doença celíaca): esta circunstância induz alterações fenotípicas em várias das células envolvidas na resposta imunitária, responsável pelas alterações intestinais, sendo as paredes do intestino gradualmente conduzidas a um significante estado de atrofia.

Várias formas de doença celíaca
 

Clássica: A doença celíaca é uma doença autoimune do intestino, causada por uma sensibilidade permanente ao glúten em indivíduos geneticamente suscetíveis. Sintomas; diarreia prolongada (mais de três semanas), desconforto abdominal, náuseas e vómitos, irritabilidade, falta de apetite, má progressão de peso, atraso de crescimento, obstipação. Essa forma clínica pode ter evolução grave, conhecida como crise celíaca, ocorrendo quando há retardo no diagnóstico e no tratamento. Essa complicação potencialmente fatal caracteriza-se pela presença de diarreia com desidratação hipotónica grave, distensão abdominal por Hipo potassemia, desnutrição grave, hemorragia e tetania.

 

Atípica: Também conhecida como doença celíaca não clássica, esta variação da doença celíaca apresenta sintomas mais leves e menos fáceis de identificar. Em geral, os sintomas digestivos estão ausentes ou ocupam um segundo plano. O doente pode manifestar sintomas como perda de peso, anemia, afetas recorrentes, osteoporose, cãibras, prisão de ventre, cansaço crónico, infertilidade, neuropatia periférica e elevação das transaminases.

 

Silenciosa: Apesar da ausência de sintomas na doença celíaca silenciosa, o dano colateral permanece o mesmo, há atrofia nas vilosidades do intestino. Quando uma pessoa é diagnosticada com doença celíaca silenciosa ou assintomática, os seus progenitores são orientados a realizar um exame, pois apresentam 10% de predisposição para desenvolver esta vertente da doença.

 

Latente: O paciente apresenta os genes relacionados com a doença celíaca HLA-DQ2 e HLA-DQ8), mas ainda não teve a enfermidade completamente desenvolvida, apresentando apenas uma inflamação moderada. Geralmente é a fase que antecede a doença celíaca clássica ou normal, porém é possível que não se chegue a desenvolver.

 

Potencial: Subgrupo de pacientes que tem a presença do anticorpo ATG sérico, porém, com morfologia intestinal normal. Estes podem ser assintomáticos e podem ou não evoluir para atrofia vilosa total.

Diagnóstico

 

O diagnóstico para a doença celíaca é a biópsia do intestino delgado, na qual são analisadas as vilosidades do intestino para saber se estão atrofiadas. É importante realizar a biópsia aquando de uma dieta com glúten de, pelo menos, 6 meses, caso contrário, os sintomas não surgem e pode resultar num falso negativo. No entanto, a biópsia geralmente só é indicada após serem realizados outros testes mais simples, que indicam que é possível que o indivíduo esteja com a doença. Isto tem como objetivo evitar biópsias desnecessárias.

Um desses é o exame de sangue. Este exame verifica a presença de genes e anticorpos específicos do problema. Pode ser realizado um dos seguintes exames:

  • Tipagem genética: Este exame verifica a presença dos genes HLA-DQ2 e HLA-DQ8 que são responsáveis por algumas funções do sistema imunológico.

  • Testes Serológicos: Exame que deteta Anticorpos como anti gliadina, anti transglutaminase e anti endomísio que, quando presentes na corrente sanguínea, indicam a existência da doença celíaca.

Outro tipo de pré-diagnóstico consiste no exame de fezes que visa verificar a quantidade de gordura das fezes. Se esta for elevada, pode ser um indício de má absorção dos nutrientes, e, consequentemente, a possibilidade de o paciente ter doença celíaca.

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Tratamento

Infelizmente, até agora, não existe tratamento farmacológico para esta doença. A única maneira de eliminar os sintomas é retirar produtos que contém glúten da alimentação do doente. Com a eliminação do glúten da dieta, o intestino vai curando, recompondo-se completamente no espaço de dois anos. Qualquer quantidade de glúten na dieta é suficiente para provocar vômitos e diarreias, logo é de extrema importância o paciente estar atento aos alimentos, pois um doente que mantém a sua dieta original corre o risco de desenvolver outros problemas de extrema gravidade, tais como doenças de tireoide, problema nos rins e na pele ou até cancro do intestino.

Os cuidados a ter com a alimentação não passam simplesmente pela exclusão do glúten. Como há certos nutrientes que não serão incluídos na dieta devido às restrições alimentares que a doença celíaca impõe, é igualmente essencial ser garantida a prática de uma alimentação completa, variada e equilibrada que forneça ao organismo todos os nutrientes necessários.

Estilo de vida e cuidados a ter

 

Para um tratamento eficaz da DC é necessário um trabalho de equipa do médico, do nutricionista, da família e da comunidade, pois o cumprimento da dieta isenta de glúten e a aceitação das mudanças de estilo de vida não é um processo simples e pode levar a um decréscimo da qualidade de vida. O preço mais elevado das opções de alimentos para celíacos, produtos sem glúten, e ainda uma menor disponibilidade ou mesmo ausência destes alimentos, em particular quando se come fora de casa ou quando se viaja, tornam-se um dos maiores obstáculos para o tratamento. Deve haver aconselhamento e apoio ao doente, bem como uma sensibilização para a doença por parte da sociedade. Apesar destas adversidades, com a orientação correta e uma dieta balanceada feita por um nutricionista, o celíaco consegue viver normalmente.

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O principal cuidado a ter resume-se a não ingerir produtos feitos à base de glúten. Para além das fontes mais óbvias desta proteína, tais como o pão, a massa, os cereais, etc., também é essencial ler atentamente os rótulos dos produtos alimentares e assegurar-se que os mesmos não têm farinha, espessantes, malte, extrato ou xarope de malte, amido, amido modificado, emulsionantes, estabilizantes, proteínas vegetais hidrolisadas ou goma vegetal.

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